sábado, 18 de dezembro de 2004

[Livros & Arrumações]

Temos da "Annona ou mixto-curioso folheto semanal que ensina o methodo de cosinha e copa, com um artigo de Recreação", Lisboa, Imprensa de C. A. S. Carvalho, fim da Calçada do Garcia nº 42, nº 1 ao nº 36, 1836-1837, curiosas observações e dizeres vários. Algumas anotações:

"Doce - Manjar branco de peros. Ponham-se a coser em meia canada de leite meia dusia de peros grandes, limpos, apurados, e sem pevide, estando meio cosidos, deitem-se em um tacho, desfasem-se com a colher, e deitam-se-lhe duas canadas de leite, dois arrateis de assucar, e um arrátel de farinha de arroz, ponham-se a coser; e em quanto se cosem, refrescam-se com meia camada de leite, deitando-se-lhe pouco a pouco, e depois de cosido, deita-se-lhe agua de flor, tira-se do lume, e põe-se nos pratos" [nº20]

"Detalhes sobre a vida de Milton - Milton levantava-se da cama às quatro horas da manha no verão, e as cinco no Inverno. Trazia sempre uma borjaca de pano ordinário de mescla, estudava até ao meio dia, jantava frugalmente, e dava o seu passeio com o seu conductor, cantava pela tarde, tocando qualquer instrumento, conhecia as regras da harmonia, e tinha uma voz agradável. Sabia a arte da esgrima. E quem ler com attenção o seu Paraíso Perdido, verá que amava apaixonadamente a musica, e o cheiro das flores; ceava cinco, ou seis azeitonas, e uma pouca de agua, deitava-se às nove horas da noute, e alli compunha algumas obras; quando compunha alguns versos, repetia-os a sua mulher, ou a seus filhos; em dias de sol, sentava-se em um banco à sua porta ..." [idem]

"Poesia - Dois sujeitos, e ambos muito feios, andavam continuamente motejando-se um ao outro; um deles entrando certo dia no quarto do outro, a tempo que este fazia a barba, com grande trejeitos, que ainda o tornavam mais horrendo, lhe improvisou o seguinte soneto

"Boca, e mais boca de letrinea casta!
Penca, e mais penca té ao cu descida;
Horrenda, e sempre eterna prosseguida,
Carranca enorme a quem eu cedo, e basta!

Mal haja o sabonete que se gasta,
Em lavar-se essa tez ennegrecida;
Mal haja essa navalha envillecida,
Que a barba hirsuta do cartão te affasta!

Oh! quem pudera da fealdade excesso.
Arrumar-te em logar de banho morno,
Dois peidos nessas ventas d?arremesso:

Oh! quem te dera para teu adorno,
Por agua escarros, por espelho o cesso,
Por sabão merda, e por navalha um corno.
" [nº 21]