terça-feira, 21 de dezembro de 2004


[Remédios]

"... Vi um médico, de espírito sublime, que possuía, a fundo, a ciência do governo. Tinha consagrado as suas vigílias, até à data, a descobrir as causas dos males do Estado e a encontrar remédios para curar os maus fígados dos que administram os negócios públicos (...) «Os homens encarregados da administração pública, as mais das vezes, estão cheios de humores movediços, que lhes enfraquecem a cabeça e o coração, causam-lhes convulsões, contracção dos nervos da mão direita, fomes caninas, indigestões, vapores, delírios, e outros males»
Propunha tomar-se-lhes o pulso quando estivessem para se reunir em conselho. Por este processo tratava-se de ver se se descobria qual a espécie de doença de que eles padeciam (...)
E porque, ordinariamente, todos se queixam da pouca memória que tem os validos dos príncipes, queria o nosso doutor que a todo aquele que tivesse de tratar com eles alguns negócio fosse permitido a liberdade de dar ao senhor valido esquecido um piparote no nariz, de lhe puxar pelas orelhas ou espetar-lhe um alfinete nas nádegas, a fim de que a pretensão fosse sempre lembrada (...) Queria também que um dos senadores, depois de haver apresentado a sua opinião e ter dito, em abono dela, o que tivesse para dizer, fosse obrigado a formular a opinião contrária ..."

[J. Swift, in Viagens de Gulliver]